Autor: Marlon Marques
Muitos se perguntam se dá para
juntar o método histórico-crítico com o método histórico-gramatical. Ambos os
métodos hermenêuticos visam a intenção do autor bíblico, e não uma construção
do sentido ou de vários sentidos do texto por parte do leitor (o que deve ser
evitado). Queremos destacar que pode sim haver uma "conservartização"
do método histórico-crítico. A priori, devemos entender que, geralmente, os
adeptos do método histórico-crítico desconsideram a veracidade dos relatos
bíblicos, mas entendem que o sentido do texto bíblico, mesmo que a história do
texto bíblico seja uma invenção, só apresenta um sentido, o que o autor (ou o
que se passou pelo autor) quis transmitir. Em contrapartida, os adeptos do
método histórico-gramatical, que também entendem que o texto bíblico somente
apresenta um sentido, acreditam que a história dos textos bíblicos é verdadeira
e inspirada pelo Espírito Santo. Resumindo, ambos os métodos hermenêuticos,
histórico-crítico e histórico-gramatical, partem do princípio de que só há um
significado textual por parte de quem escreveu os textos bíblicos. O que eles
diferem é no tocante a se os relatos bíblicos são ou não verdadeiros. Neste
caso, cristãos conservadores adotam, logicamente, o método
histórico-gramatical.
A questão é se dá para um adepto do
método histórico-gramatical usar o método histórico-crítico. A resposta é um
sonoro sim! Um dos maiores eruditos bíblicos da atualidade, que possui vários
livros já traduzidos para o português, Craig Blomberg, adota o que ele chama de
método histórico-crítico-gramatical. No livro Biblical Hermeneutics - Four
Views (Hermenêuticas Bíblicas - Cinco Visões), que não foi traduzido para o
português ainda, Blomberg defende justamente esse entendimento hermenêutico,
que é a junção do método histórico-crítico com o método histórico-gramatical.
Dois eruditos bíblicos britânicos e
metodistas, Vincent Taylor e Howard Marshall, foram os responsáveis por
trazerem ferramentas do método histórico-crítico para o meio acadêmico bíblico
conservador. Vincent Taylor foi o responsável por trazer para o meio
conservador a crítica da forma[1], que no meio radical do
método histórico-crítico, como Rudolph Bulttmann, Martin Dibelius e outros,
realça que os relatos bíblicos dos evangelhos sinóticos, por exemplo, ou foram
criados ou foram acrescentados pela igreja primitiva. Taylor entendia que a
igreja primitiva participou somente organizando os relatos sinóticos, e não
criando nem acrescentando.[2]
Howard Marshall foi o responsável,
por sua vez, pela adequação da crítica da redação ao meio conservador,[3] fato este tão importante
para os pentecostais. A crítica da redação, criada no meio dos adeptos do
método histórico-crítico, entende que cada escritor bíblico tem sua própria
teologia. Vejamos o exemplo dos livros lucanos e paulinos. No meio conservador,
geralmente, antes do lançamento do livro Luke: Historian and Theologian (Lucas:
Historiador e Teólogo),[4] cria-se que Lucas somente
era um historiador, e não um teólogo.[5] Para valer-se de conteúdo
teológico e formular doutrinas, haveria de recorrer-se aos escritos paulinos.
Antes deste livro de Marshall, somente os adeptos do método histórico-crítico
entendiam que Lucas era teólogo, pois, de acordo com a crítica da redação, como
vimos, todos os escritores bíblicos (ou aqueles que se passavam por tais
escritores) tinham seu próprio entendimento teológico.[6] Contudo, Marshall, em
1970, com o lançamento do seu mencionado livro, afirma que Lucas era tanto um
historiador quanto um teólogo de fato. Com isto, os pentecostais, que
utilizavam principalmente o livro de Atos para validar seu distintivo teológico
peculiar (batismo no Espírito Santo como separável e empoderador para o serviço)[7], recorreram a essa “conservatização”
de um método histórico-crítico realizado por Marshall para embasarem-se
academicamente e defenderem com mais respaldo o seu distintivo teológico.[8]
Enfim, constatamos, em poucas
palavras, que é possível para um adepto do método histórico-gramatical, que
sempre é conservador na sua teologia, usar ferramentas advindas do método
histórico-crítico, haja vista, como salientamos, os dois métodos objetivarem um
significado único no texto bíblico.
[1]
CARSON, D. A.; MOO, Douglas; MORIS, Leon. Introdução
ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 23-24.
[2]
Ibid, p. 24.
[3]
MENZIES William; MENZIES, Robert. No
Poder do Espírito – Fundamentos da Experiência Pentecostal... Um Chamado ao
Diálogo. São Paulo: Vida, 2002, p. 48.
[4]
Publicado no Brasil como MARSHALL, Howard. Fundamentos
da Narrativa Teológica de São Lucas. Natal: Carisma, 2019.
[5]
Ibid, p. 44-45.
[6]
Ibid, p. 46-48.
[7]
STRONSTAD, Roger. Teologia Carismática
de Lucas. Trajetórias do Antigo Testamento a Lucas-Atos. Rio de Janeiro:
CPAD, 2018, p. 30.
[8]
Ibid, p. 48, 68.
Um comentário:
Quando se aponta a dúvida da historicidade na abordagem alemã, há que diferenciar Geschichte é Historisch. Bultmann levanta a questão ele mostra que é difícil ler os Evangelho considerando como história nos termos da ciência histórica, mas sim como uma Palavra com Geschichtlich historicidade.
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