A experiência com o Espírito Santo é algo que todos os
cristãos devem buscar. É sabido que todos devem almejar tal experiência. Logo,
não vejo que é necessário uma explanação sobre isso. Paulo nos informa que
devemos ter experiência por meio das questões atribuladas do nosso dia-a-dia
para que possamos ter esperança do encontro com Jesus por causa do amor de Deus
derramado pelo Espírito Santo em nossos corações (Rm 5.3-5).
Uma questão
sustentada pelos adeptos do método pós-moderno de hermenêutica é que o método hermenêutico
evangélico clássico, o histórico-gramatical, é irmão do método
histórico-crítico simplesmente porque a intenção do autor bíblico é buscada
pelo leitor. O desejo de buscar o contexto histórico, cultural e análise
gramatical para que entendamos o que os autores bíblicos queriam é algo chamado
pejorativamente de “racionalista”. Mesmo que o método histórico-gramatical
proponha que a Bíblia seja inteiramente inspirada por Deus e o método
histórico-crítico proponha que a Bíblia deva ser examinada como qualquer outro
livro, os adeptos do método pós-moderno chamam os dois métodos de
histórico-crítico. De uma forma apelativa iguala dois métodos que têm
propósitos diferentes e os chama de “métodos racionalistas”.
É verdade
que há evangélicos conservadores que adotam o método histórico-crítico, como
Howard Marshall, Joachim Jeremias, N. T. Wright, Craig Blomberg, católicos
conservadores como Raymond Brown, pentecostais como Robert Menzies e outros. Contudo,
não deixam de buscar o sentido pretendido pelo autor bíblico e permanecem
crendo que a Bíblia é inteiramente a Palavra de Deus. Se há que se chamar de
métodos irmãos o histórico-gramatical e o histórico-crítico somente porque se
busca a intenção do autor bíblico, então o método pós-moderno em nada difere do
sentimento religioso pregado pelo pai do liberalismo teológico Friedrich
Schleiermacher, que desconsiderava a realidade dos eventos bíblicos, mas cria no
sentimento religioso, que dava significado da realidade divina na vida da
pessoa que sentia tal experiência. Para Schleiermacher:
A Bíblia contém a verdade somente quando corresponde ao que
nossa consciência religiosa nos diz que é verdade. Quando ambas discordam, a
Bíblia está errada. Por conseguinte, não podemos conhecer Deus fora de nossa
experiência religiosa; só podemos conhecê-lo em relação a nós mesmos, em nosso sentimento
de absoluta dependência.[1]
Veja que
para Schleiermacher não se pode conhecer Deus fora de nossa experiência
religiosa que ultrapassa o significado bíblico. Isto não se parece com o
proposto pelo método hermenêutico pós-moderno? Logo, se o método histórico-gramatical
e o método histórico-crítico são tão parecidos que os dois são chamados de
método histórico-crítico e “racionalista”, por que, então, não se pode igualar
o método pós-moderno de hermenêutica bíblica de método shcleiermacheano,
portanto, de liberal?
O método
histórico-gramatical lida não com a validação da experiência, mas sim com o que
o texto bíblico quer nos passar. O problema de interpretação dos adeptos do
método pós-moderno é que somente pelo fato do método histórico-gramatical
buscar a intenção do autor bíblico, isso quer dizer que a experiência não deve
ser buscada. Não se deve adotar o jogo de soma zero. O método
histórico-gramatical não examina a experiência para ter que ser dada ênfase
nela para que a interpretação bíblica seja satisfatória. A experiência é
filtrada pelo que orienta a Bíblia. É exatamente por isso que há um significado
autoral em cada texto bíblico, sejam significados circunstanciais ou
atemporais.
Roy Zuck,
hermeneuta conservador, afirma a experiência em seu livro sobre hermenêutica: “A
passagem de 1 Coríntios 2.14 também afirma que o irregenerado não entende as
coisas espirituais. O verbo grego ginosko (‘compreender’) não significa
entender com o intelecto; significa compreender por experiência.”[2] Mais à frente, Zuck afirma
algo vital do propósito hermenêutico clássico (histórico-gramatical): “a obra do
Espírito na interpretação não quer dizer que ele desvende para alguns
intérpretes um sentido ‘oculto’, diferente do significado normal e literal da
passagem”.[3] Zuck, ao citar 1 Coríntios
2.14 e quaisquer passagens bíblicas, afirma que a experiência, mediante o Espírito
Santo, é algo a ser buscado, mas totalmente de acordo com o que o significado
normal e literal das Escrituras que o próprio Espírito santo inspirou.
Zuck abre o
primeiro capítulo de seu livro com a pergunta de Filipe ao eunuco: “Compreendes
o que vens lendo?” (At 8.30), ao que Zuck escreve sobre essa passagem: “a
pergunta ‘compreendes o que vens lendo?’ indicava a possibilidade de o leitor
não estar entendendo, mas, também, que era possível entender”.[4] Percebemos que essa
pergunta de Filipe deixa bem claro, ao ler as Escrituras, que o texto bíblico
tem um único sentido e que deve ser buscado, do contrário, pouco importava se o
eunuco entendesse ou não, o que importaria seria a experiência prévia do eunuco
(ou seria o sentimento religioso schleiermacheano?).
O que chamo
de a tríade pentecostal acadêmica de maior relevância,
Keener/Stronstad/Menzies, propaga a experiência como altamente necessária na
vida do cristão. Craig Keener afirma categoricamente que a experiência é algo
notório no ambiente pentecostal. Contudo, a experiência é filtrada pela
objetividade das Escrituras:
A espiritualidade pentecostal sempre leu as Escrituras
experiencialmente. Com isso não quero dizer que os cristão pentecostais
simplesmente leem as Escrituras à luz de sua experiência, embora isso às vezes
seja o caso (e não somente dos pentecostais). Antes, quero dizer que
especialmente lemos e desenvolvemos a nossa experiência à luz das Escrituras.[5]
De acordo
com Keener, a experiência é algo extremamente normal para os pentecostais.
Entretanto, a experiência é guiada pela objetividade das Escrituras.
Roger
Stronstad deixa bem claro, em um de seus livros, que a experiência carismática
do Espírito é um fato real, mas a objetividade bíblica é algo inviolado:
Incluir a experiência carismática como um elemento na
hermenêutica pentecostal não é abrir uma caixa de Pandora do subjetivismo e
emocionalismo. Por um lado, a realidade objetiva da Bíblia permanece inviolada.
Por outro lado, embora eles estejam em um sentido inseparável, experiência e emoção
não são idênticas.[6]
Robert
Menzies, que é conhecido pela utilização de métodos histórico-críticos, não
alija a experiência como algo essencial da fé pentecostal. Ele afirma que “a
hermenêutica do crente pentecostal típico é direta e simples: as histórias em Atos
são minhas histórias – histórias que foram escritas para servir de modelo para
moldar a minha vida e experiência”.[7] Em outro livro, Menzies
afirma que a objetividade de Lucas pode ser verificada na vida dos cristãos. A
questão é que os pentecostais têm falhado em alguns momentos para que isso seja
real no meio em que estão: “os pentecostais têm falhado em convencer que eles
não têm sido capazes de demonstrar que Lucas pretendeu apresentar
narrativas-chave de Atos como um modelo de experiência cristã”.[8]
No site
oficial das Assembleias de Deus dos Estados Unidos há dois textos sobre
hermenêutica escritos por Gordon Anderson. Neles, Anderson assevera que o
método hermenêutico das Assembleias de Deus norte-americanas é o método
histórico-gramatical: “Os intérpretes pentecostais cuidadosos concordam com
outros evangélicos de que a melhor maneira de interpretar a Bíblia é trabalhar
para descobrir o significado pretendido do texto através do uso de métodos
histórico-gramaticais”.[9] Mais à frente, Anderson
continua:
A visão correta é reconhecer que o trabalho da teologia é
sistematizar os significados objetivos dos versos individuais em um todo
coerente. Neste método, os significados originais são obtidos através do método
histórico-gramatical, fundamentado na suposição de que eles têm significados
fixos e objetivos.[10]
Anderson,
em outro momento, critica asperamente os adeptos da hermenêutica pós-moderna:
Críticos literários centrados no leitor parecem negar que
isso seja possível [descobrir a intenção autoral bíblica]. Eu argumento que
eles enfatizam tanto os problemas em fazer a hermenêutica que eles a
transformam em um esforço infrutífero para escapar de preconceitos pessoais que
nunca conseguem chegar a um significado do texto.[11]
É preciso
deixar claro que Anderson admite que pentecostais têm seus entendimentos
prévios, chamados por ele de preconceitos, na medida em que eles leem os textos
bíblicos. Contudo, os pentecostais permitem que o texto bíblico mude suas
perspectivas teológicas quando necessário. Com isto, Anderson, obviamente,
reconhece que o texto bíblico possui significado atemporal com o propósito de
ser entendido e transformar perspectivas experimentais do leitor. Anderson
assim se expressa: “Os pentecostais, como todos os intérpretes têm preconceitos,
mas eles o reconhecem e fazem seu trabalho interpretativo de tal maneira como
permitir que o texto mude essas premissas teológicas quando necessário”.
Para minimizar
o fato das Assembleias de Deus dos Estados Unidos adotarem o método histórico-gramatical,
um adepto do método pós-moderno aqui no Brasil afirmou que as Assembleias de
Deus norte-americanas apropriaram-se desse método quando entraram na NAE
(National Association of Evangelicals), que é a Associação Nacional de
Evangélicos dos Estados Unidos. O ato de minimizar tal fato dá-se pela
afirmação de tal adepto do método pós-moderno de que a NAE adota princípios
neo-ortodoxos bartianos. Contudo, isto foi afirmado sem nenhum embasamento
referenciado. A NAE é justamente conhecida por seu conservadorismo e seu
evangelicalismo. Nada de neo-ortodoxia.
Tal adepto do
método pós-moderno de hermenêutica, afirma que Robert Menzies segue três
hermeneutas que escreveram um excelente livro de hermenêutica juntos. São eles:
William Klein, Craig Blomberg e Robert Hubbard. Sobre eles, afirmou-se que os
três são neo-ortodoxos. O mais provável é que o adepto do método pós-moderno
tenha se equivocado, pois Klein, Blomberg e Hubbard deixam bem claro no seu
volumoso livro de que eles afirmam princípios conservadores e evangélicos e
criticam a neo-ortodoxia de Karl Barth e Emil Brunner.[12]
O espaço aqui
não é apropriado para textos longos. Contudo, um artigo acadêmico está sendo
preparado por mim acerca do incipiente método hermenêutico pós-moderno aqui no
Brasil no meio pentecostal. Tal artigo acadêmico será uma crítica a obras de
viés de hermenêutica pós-moderna lançados há pouco tempo, principalmente à obra
mais recente.
[1]
MCDERMOTT, Gerald. Grandes Teólogos –
Uma Síntese do Pensamento Teológico em 21 Séculos de Igreja. São Paulo:
Vida Nova, 2013, p. 153.
[2]
ZUCK, Roy. A Interpretação Bíblica –
Meios de Descobrir a Verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 25.
[3]
Ibid, p. 26.
[4]
Ibid, p. 10.
[5]
KEENER, Craig. A Hermenêutica do
Espírito – Lendo as Escrituras à luz do Pentecostes. São Paulo: Vida Nova,
2018, p. 68.
[6]
STRONSTAD, Roger. Spirit, Scripture and
Theology – A Perspective Pentecostal. Baguio City: APTS, 1995, p. 72.
[7]
MENZIES, Robert. Pentecostes – Essa História
é a Nossa História. Rio de Janeiro: CPAD, 2016, p. 22.
[8]
MENZIES, Rober. Empowered for Witness –
The Spirit em Luke-Acts. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1991, p. 246.
[9]
ANDERSON, Gordon. Pentecostal
Hermeneutics – Part One In: https://ag.org/Beliefs/Our-Core-Doctrines/Resources?fbclid=IwAR0jSK9PEu0JKmNhl-vcNQbRa_FRORMbSfC8qbcJAl-Lx2T0fkxCPrsKojs,
visualizado em 29/03/2019.
[10]
Ibid.
[11]
Ibid.
[12]
Cf: KLEIN, William; BLOMBERG, Craig; HUBBARD, Robert. Introdução à Interpretação Bíblica. Rio de Janeiro: Thomas Nelson
Brasil, 2017. Sobre a afirmação conservadora e evangélica dos autores, cf. p.
248-252. Sobre a crítica à neo-ortodoxia da parte dos autores, cf. p. 129-130.